sábado, 31 de março de 2007

Evidências



Ainda estávamos entrelaçados quando os primeiros raios de sol entraram pela janela.
Não era preciso sentir o contato do seu corpo junto ao meu para saber o quanto estávamos próximos. O suave perfume que vinha dos seus cabelos já era um velho conhecido...
Ela me olhou, havia algo indescritível em seu semblante.
_Abrace-me, disse ao meu ouvido.
Eu já a puxava para mim quando, sorrindo, ela novamente sussurrou:
_ Sinto que o mundo será algo novo a partir de hoje...

(....)

Eu já me levantara, sem saber ao certo se era o melhor a ser feito...
Seu olhar era atento aos meus movimentos enquanto eu me vestia. Era um olhar diferente, tão leve e sereno quanto a respiração de uma criança que acabara de acordar.
Eu sorri quando ela indagou por uma segunda vez:
_Você promete?
_Prometer o que? Respondi sorrindo, já me aproximando.
Houve um silêncio tranqüilo no ambiente. Era difícil situar o que exatamente acontecia.
Estava muito próximo quando senti sua respiração ficar suspensa por quase um segundo, antes de concluir.
_Prometa que nunca esquecerá, eu jamais me esquecerei....

Outra avalanche se seguiu...

(...)

Havia momentos em que ela gostava de ficar em silêncio.
Às vezes recostava-se, jogando a cabeça para trás, perdendo-se em pensamentos. Outras vezes simplesmente sentava pensativa, puxando os joelhos contra si e enlaçando-os com os braços numa postura curiosa.
E era assim que ela se encontrava agora, sentada no sofá e olhando-me atentamente enquanto eu preparava a mesa do jantar.
_Você nunca me perguntou por que às vezes eu fico calada, não é? Indagou curiosamente.
_ Eu? Não, nunca perguntei. Sorri a ela, respondendo divertidamente com a mesma expressão indagadora.
_Não tem vontade de saber? Saber se está tudo bem, quero dizer...
Seu semblante era jocoso, mas totalmente especulativo. Eu me voltei, fitando-a por alguns segundos, antes de responder.
_ Claro que eu tenho vontade de saber o que se passa com você. Mas desde cedo aprendi que é seu ter esses momentos. Tenho a consciência tranqüila porque sei que está ao meu lado e sei que se houver algo a ser dito, na hora em que julgar adequada você falará comigo. Quero que seu tempo seja seu, e somente seu, para que você possa dividi-lo comigo.
Ela continuava me olhando. Um pequeno sorriso desenhava-se em seus lábios.
_Por isso não creio que eu tenha que questioná-la o tempo todo, mesmo tendo vontade, às vezes. Conclui devolvendo um sorriso semelhante.
_Obrigada por me entender tão bem. Isso me deixa muito à vontade. Sussurrou, ajeitando-se no sofá.
_Não é difícil entendê-la. Não quando você se mostra tão claramente para mim.
Um piscar mostrava dois pares de olhos marejados. O momento era iminente...
_É isso, essa clareza e a sensação de estarmos totalmente à vontade um em relação ao outro, que mantém a harmonia da nossa relação. E isso é algo que eu não quero perder nunca, entendeu?
Minhas mãos estavam sob seu queixo, sustentando seu olhar na direção do meu.
Envolvidas num abraço, um par de vozes sussurram concomitantemente, na mesma fração de segundos em que lágrimas rolaram juntas, apesar das faces distintas.
_Eu amo você...


(...)

Era inacreditável a casualidade com que se conheceram. Um esbarrão de ombros, um pedido de desculpas, algum comentário acerca do lugar onde estavam e se iniciou um papo despretensioso, que já dura algum tempo.
Poucos meses se passaram e agora um esperava pelo outro, numa ansiedade contida que evoluía a cada dia.Chamava a atenção a sintonia que foi imediata. A forma franca de conversar, os assuntos que sofriam um sincronismo absurdo. Parecia que quando se viam eram tragados para alguma frequência diferente e ali ficavam, alheios a tudo e a todos. A conversa emendava  numa cadeia sem fim e tudo era abordado com franqueza, maturidade e sem tabus. Falavam de política, educação, viagens, cultura, relacionamentos, saúde, amor, sexo e mais uma infinidade de outros papos.

A percepção real sobre a natureza do que os envolvia, no entanto, tornou-se evidente desde o primeiro dia.
Eram gentis, conversavam, sorriam, olhavam. Mas curiosamente não havia toque. Parecia existir um pacto silencioso onde, naqueles momentos, a percepção era mais importante que o tato. E por mais diferente que possa parecer, essa ausência de toques era o que mais os fascinava. Sabiam o que existia e não havia o menor problema em falar. Pelo contrário, debatiam mais e mais como que querendo esgotar todas as possibilidades.

Compartilhavam os mesmos ideais e preocupações sobre tudo que envolvia, ou podia envolver uma relação entre homem e mulher. O instinto de proteção mútua aumentava naturalmente e decidir conjuntamente como cuidar um do outro foi um ponto comum e pacífico entre os dois. 
Naquela tarde chovia bastante. E ambos estavam ansiosos. Cada qual com seu envelope que os libertaria totalmente para algo muito mais abrangente, e que estava por chegar. Sim, decidiram testar seus organismos atestando o quão saudáveis estavam. E naquele misto de ansiedade, medo, euforia e liberdade o primeiro toque aconteceu. Mãos se entrelaçaram extremamente forte, contrastando com o carinho estampado em seus olhares.

Havia chegado a hora e sabiam disso. Em silêncio, caminharam lado a lado certos do que queriam.
Houve uma pausa no tempo.
Ele agora estava parado dentro do quarto. Ela havia entrado um pouco antes e estava sozinha na suíte, a portas fechadas. Ele então se despiu e em suas mãos segurava a venda e certo que, do outro lado da porta, ela fazia o mesmo.
Era esse o combinado, a primeira vez seria sem a visão, explorando ainda mais o sensorial que tanto os marcou.
Ele se vendou, sorriu e com as mãos na maçaneta da porta perguntou se ela estava pronta. A voz sorridente e nervosa do outro lado respondeu que sim...e mais uma vez o tempo parou.Suas mão se encontraram, tateando juntos com as pontas de seus dedos. Sorriam quando se abraçaram ali em pé, encostados na porta da suíte e no breu da ausência da visão. Apesar da urgência, sabiam que não havia motivo de pressa. Era hora de sentir. E ponto! 
Suas mãos percorriam seus corpos mutuamente, com firmeza, mas era suavidade e o aroma de ambos que entorpecia ainda mais seus sentidos. Um roçar de nariz, e seus lábios se encontraram. 
O beijo nasceu devagar e aos poucos envolvia em abraço e ganhava mais calor e paixão. Alheios ao mundo lá fora, um braile de reconhecimento carnal se iniciava. Por longos momentos apertavam-se e prensavam-se um contra o outro de forma incrivelmente forte, mas não descontrolada. Escorregaram ali mesmo onde estavam, aos pés da porta da suíte. Ele a segurava pelos braços apertando-a contra si no mesmo momento que ela deslizou sua mão para baixo, direcionando-o para sua entrada. Ficaram ali deitados, sem jeito, prensados, se beijando e requebrando como loucos. Ela, no entanto, ainda o controlava, sem deixar que ele entrasse.
Quase uma eternidade depois, num movimento inconsciente, ela segurou em uma das pernas dele puxando-o para si e finalmente o libertou, arqueando o corpo pra trás quando ele finalmente ficou dentro dela.Era forte, brutal, e descontrolado. A entrega era total e irrestrita. E  a ausência da visão, somada aos cheiros, sons e a pegada tornava aquele momento ainda mais sensorial.Ele a virou e fez com que  ficasse sobre ele. Os corpos grudaram um no outro, concentrando ainda mais seus movimentos. Eram agora mais fortes e cadenciados que agitados ou rápidos. O prazer de ambos chegava arfante, galopante e praticamente ao mesmo tempo, intensificado exponencialmente tudo que envolvia o momento.
Tiraram suas vendas e explodiram um sobre o outro. Ele beirava o primitivo contido. Ela, por sua vez, não segurava as lágrimas e se entregava.
Beijavam-se, amassavam-se e prensavam-se mutuamente sem piedade, descontroladamente, demoradamente. Até que imóveis. 
Tempo em suspenso agora.
Levantaram-se devagar e caminharam para o box. A ducha quente os recebeu sem que se importassem com o calor. Sob a água, afastaram-se um pouco olhando fixamente e em silencio um para o outro. Foi demorado. Curtir o banho a dois foi algo demorado. Não havia pressa em namorar, em viver a calma do ensaboar juntos e tomando conta de cada detalhe que havia em seus corpos.
Ali, debaixo d'água, nada passou despercebido. 
Ele explorava demoradamente cada centímetro de pele dela com sua boca. Cada saliência e reentrância. Desde os lábios, passando pelos ombros e colo até cada um dos seios e mamilos. Ela era muito sensível a isso. Ele desceu mais ainda, vagarosamente, até, apoiado com as mãos na cintura dela, se acomodar entre suas coxas. 

O olhar dela para ele era indescritível a medida que ele avançava. Ficou assim longamente. Ora somente a boca, ora boca e dedos. O prazer dela veio forte e em forma de tremor quando ela pressionou a cabeça dele contra si, praticamente perdendo o equilíbrio e se agarrando a ele. Houve um momento para se recobrar e, num ato contínuo e quase irracional ela tinha o desejo de retribuir, ajoelhada a seus pés, ávida, ora frenética, ora delicada. Ele aceitava o ritmo que ela impunha. Não havia como ser diferente.

O instinto veio forte novamente e puxaram-se molhados em direção à cama. Sem se enxugar puseram-se a explorar o corpo alheio com mãos e bocas mutuamente, demoradamente, embolados, entrelaçados. Tudo foi explorado demoradamente, à exaustão.

O molhado da água virou suor. Sons, cheiros, visões. Tudo era sentido ainda mais e mais forte. 
Simplesmente acontecia. Pareciam querer entrar um por dentro do outro. Juntos, na mesma cadência e ritmo. A consonância parecia de um só corpo, a medida que faziam amor.
Foram tantas palavras ditas. Algumas boas, outras nem tanto. Foram muitas formas e jeitos diferentes. Ele fazia e ela exigia. Não havia pudor, não havia tabus. O momento era de entrega e apenas isso importava.
tempo mais uma vez em suspenso: a escuridão tomou conta do ambiente. 

Ainda estavam nus e entrelaçados quando ela abriu os olhos. Ele ameaçou se levantar quando ela o travou entre suas pernas. 
Olharam fixamente e ele falou:

_Prometa ...
_ o que? Ele perguntou

_ prometa que não se esquecerá. Eu jamais me esquecerei.
Uma avalanche se seguiu...


(...)